Após ser questionado acerca da Contribuição Previdenciária na reclamação trabalhista, percebi que historicamente a Justiça do Trabalho adota o entendimento previsto no artigo 195, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal, para determinar o recolhimento da Contribuição sem, contudo, refletir a respeito da decadência do crédito tributário, que extingue a obrigação.
A exposição abaixo tem o objetivo de advertir o contribuinte empresário e empregador, acerca do possível recolhimento indevido de contribuição previdenciária e a possibilidade de se recuperar este capital.
Por Eduardo Mauro Prates, advogado, sócio do escritório de advocacia Calandrini & Mauro Prates Advogados.
Tema: O recolhimento da contribuição previdenciária na Justiça do Trabalho. Controvérsia acerca do fato gerador da contribuição previdenciária. Lei nº 8.212 de 1991. Decadência do crédito tributário e seus efeitos. Compensação administrativa.
INTRODUÇÃO
Trata-se de ensaio acerca da decadência do crédito tributário da contribuição previdenciária, apurado em sentença de reclamação trabalhista. Ademais, da compreensão do fato gerador da obrigação tributária da contribuição previdenciária e os efeitos que sucedem desta análise.
A contribuição previdenciária é uma espécie de tributo que incide sobre o montante pago ou creditado ao trabalhador, pelo empregador, que por sua vez, é o contribuinte. A União Federal é o Ente Público competente para instituir e cobrar o tributo em questão.
Sua matriz é a Constituição Federal, que disciplina a exação especificamente nos artigos 149, 194 e 195. É a Lei ordinária nº 8.212 de 1991 que institui e ajusta dentre outros aspectos, o que motiva o presente ensaio, o fato gerador.
A controvérsia que encerra o debate ora inaugurado, reside na compreensão de que, apesar de constar no texto constitucional, na cláusula 195, I, alínea “a”, a previsão da incidência da contribuição no momento do pagamento ou creditamento do salário e demais rendimentos, além disto, a despeito de constar inclusive na Lei ordinária nº 8.212 a mesma previsão, nos artigos 11, parágrafo único, alínea “a” e 22, I, há previsão específica e diversa, que trata da apuração da contribuição quando percebida na sentença transitada em julgado de reclamação trabalhista. Tendo em vista a previsão específica da Lei nº 8.212, acerca do momento em que nasce a obrigação tributária (fato gerador), no tocante a reclamação trabalhista, deve-se observar exclusivamente a cláusula da Lei ordinária, para se constatar o momento da ocorrência do fato gerador do tributo. Veja abaixo:
Artigo 43 da Lei nº 8.212:
“Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social. (Redação dada pela Lei n° 8.620, de 5.1.93)
- 1o Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas às contribuições sociais, estas incidirão sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).
- 2o Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.(Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).”
O nascimento da obrigação tributária repercute jurídica e economicamente sobre os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica obrigacional de onde emana a exação. Portanto, indispensável conhecer o marco temporal que torna o contribuinte obrigado a proceder ao recolhimento da pecúnia em favor do Ente Público, pois, sem esta definição, problemas diversos acometem a obrigação tributária.
O estudo ora desenvolvido, observa que a Justiça do Trabalho historicamente adota o entendimento previsto no artigo 195, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal, para determinar o recolhimento da contribuição previdenciária apurada em sentença trabalhista, sem, contudo, refletir a respeito da possível decadência do crédito tributário.
DEMONSTRAÇÃO DE CAPACIDADE ECONÔMICA
Antes de adentrar ao mérito da decadência, vale brevemente dissertar sobre questões preliminares que antecedem a prática da tributação e, portanto, servem para analisar o contexto sobre o qual se está inquirindo determinada particularidade. Veja: o legislador constitucional elegeu paradigmas que conotam a possibilidade da exação sobre o particular, esses paradigmas demonstram em suma, a capacidade econômica de contribuir para o Fisco. A capacidade econômica para contribuir é o cerne para se diferenciar aquele que é ou não alvo da tributação imposta pelo Estado.
O esclarecimento passado é de suma importância, pois, é necessário fixar a ideia de que, mesmo constando em Lei ordinária e principalmente na Constituição Federal, a resolução de que a contribuição previdenciária se dá após o pagamento, deve-se atentar para a natureza que perfaz a relação tributária, explico: o ato de pagar ou não o crédito trabalhista, definitivamente não é o fator que faz a contribuição previdenciária incidir sobre a atividade empresária. O ideal que motiva o legislador na eleição do empresário para custear a previdência social não reside no adimplemento da verba trabalhista, já que esta é uma obrigação que se presume, será cumprida. Ao focar no pagamento da verba trabalhista, o legislador padeceu no equívoco de tirar a atenção da atividade economicamente capaz de sofrer a exação, para se ater ao efeito que se comunica e interessa primordialmente as partes que travam a relação de trabalho, o empregador e o empregado.
Perceba que a lei leva a crer que a arrecadação da contribuição previdenciária está fora do controle do Fisco Federal, eis que se a vontade do contribuinte for a de não pagar a verba trabalhista, deixaria o Fisco de pretender o tributo. Neste caso, ocorreria a subversão do instituto da obrigação tributária, pois, uma exceção seria capaz de obstruir o nascimento da obrigação, ou seja, um fator independente e exclusivamente vinculado a vontade do contribuinte, (uma condição reservada ao particular) afetaria a receita pública.
Vale mencionar o argumento perigoso acerca do risco da atividade empresária, que potencialmente afetaria a sociedade como um todo. Parte da doutrina prega o pagamento como sendo determinante por ser o fato economicamente relevante e que, se o pagamento não é realizado por ocasião de crise financeira na sociedade empresária, todos devem suportar o ônus, (inclusive o Fisco, que neste contexto não poderia usufruir de condição privilegiada diante do particular). Este raciocínio deve ser afastado, pois a arrecadação estaria sujeita a subjetivismo que faria o Fisco perder o controle diante de tantas oportunidades de fraudes eventualmente perpetradas pelo particular. Veja que a consideração de que o fato gerador reside no pagamento fragiliza de modo único a posição do Estado e verdadeiramente a sociedade, isto porque condicionar a exação ao adimplemento da verba trabalhista abriria ocasião para fraudes que colocariam em risco a arrecadação.
Para encerrar o tópico, imagine a situação em que o empregador não paga a verba trabalhista no decorrer do contrato de trabalho, o empregado se desvincula e não ajuíza a ação trabalhista. Neste exemplo, a contribuição previdenciária cairia por terra? Convém entender que o fato gerador da contribuição previdenciária é a prestação do serviço.
A Constituição Federal é chamada de matriz tributária por ser a base legal que dispõe sobre a ordem tributária nacional e repartição de competências, não adentra, contudo, nos méritos e minúcias que perfazem a atividade tributária. Esta reflexão é importante para se concluir que o artigo 195, I, ”a” da Constituição Federal pretendeu impulsionar a exação. Com efeito, o próprio artigo determina que “nos termos da lei” o tributo seria administrado.
DECADÊNCIA DA PRETENSÃO E EXTINÇÃO DO CRÉDITO
Discute-se no presente trabalho a possibilidade de se compensar administrativamente ou ajuizar ação de repetição de indébito, para perceber o pagamento indevido realizado em favor do Fisco Federal. Neste contexto, o pagamento indevido ocorreria na liquidação de crédito trabalhista após o transito em julgado de sentença de reclamação trabalhista. A constatação do pagamento indevido se dá pela aplicação do § 2º, do artigo 43 da Lei ordinária nº 8.212 de 1991, que indica a prestação do serviço como sendo o fato passível de tributação.
Se a prestação do serviço enseja o nascimento da obrigação tributária, passamos a verificar o modo como o tributo em questão é lançado e o momento em que o crédito tributário está consolidado, para após, examinarmos a ocorrência da decadência do crédito.
Veja, a contribuição previdenciária é um tributo sujeito ao que se chama “lançamento por homologação”, tipo de “cobrança” regulada pelo artigo 150, § 4º do Código Tributário Nacional, abaixo:
“O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
- 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.“
O lançamento por homologação é aquele que obriga a declaração ao Fisco, por iniciativa do particular, de informações relativas ao fato gerador, base de cálculo, montante a ser recolhido e efetivo pagamento aos cofres públicos. A iniciativa de prestar as informações e quitar o crédito é do particular e isto, deve ocorrer sem qualquer manifestação prévia do Fisco Federal.
A homologação do pagamento, que nada mais é que o reconhecimento expresso do pagamento, ou, em outras palavras, a emissão de um recibo, pode ocorrer em até cinco anos, se por outro lado não ocorrer, diz a Lei que o reconhecimento será tácito e homologado estará o pagamento.
A contribuição previdenciária incide sobre o valor que se paga ao empregado ou prestador do serviço, então, pode ser que durante a execução do contrato de trabalho / prestação do serviço , alguma verba se mostre controversa a ponto de não ser paga ou creditada. Digamos então, que a verba seja apurada apenas em sentença trabalhista, que, por exemplo, julgue um contrato de trabalho firmado por quatro anos.
O empregado deste exemplo por sua vez, ajuíza a ação após um ano e 11 meses do término do contrato de trabalho, ou seja, na véspera da consolidação da prescrição bienal. O início do contrato ocorreu no ano 2009, o fim em 2013, a reclamação trabalhista foi ajuizada em 2015 e a sentença favorável ao trabalhador transitou em julgado em 2017.
Ano 2009 | Início do contrato de trabalho |
Ano 2013 | Término do contrato |
Ano 2015 | Ajuizamento da RT |
Ano 2017 | Transito em julgado da RT |
No momento da liquidação da sentença, o empregador deverá recolher a contribuição previdenciária relativa aos anos trabalhados entre 2010 e 2013. Mas, considerando o que prescreve o §2º do artigo 43 da Lei nº 8.212, que determina o fato gerador como sendo a prestação do serviço, o empregador deve recolher a contribuição por todo este período?
Voltando para a análise do artigo 150, § 4º do CTN e lembrando que este tributo se sujeita ao lançamento por homologação e ainda, combinando com o § 2º do artigo 43 da Lei nº 8.212, a resposta só pode ser NÃO. O empregador não é obrigado a recolher a contribuição integral relativa ao período apurado na sentença. Em termos práticos, o § 4º do artigo 150 do CTN deve ser combinado com o artigo 173, I do mesmo código que diz o seguinte:
“O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;”
Então veja: a contribuição previdenciária deve ser apurada mensalmente, o contribuinte, portanto, declara e recolhe o tributo todos os meses, mas, não cumprindo esta obrigação por alguma razão, desde que não motivada em dolo, fraude ou simulação, a decadência para a Fazenda proceder ao lançamento por arbitramento se inicia como dito acima, no primeiro dia do exercício seguinte ao que deveria ter sido feita a declaração e o recolhimento do tributo.
No exemplo estudado, o contrato de trabalho teve início no ano 2009, em 2010 o prazo decadencial passou a correr, logo, em 2015 as parcelas do ano 2009 estavam decaídas e assim por diante. Em 2017, ano em que transitou em julgado a sentença da RT, o Fisco teria viva a pretensão de cobrar o que? A resposta é: o crédito apurado apenas entre 2012 e 2013. Qualquer ordem do Juízo trabalhista em sentido contrário ensejará o recolhimento indevido de crédito, que não é tributário.
Diz se que não é tributário o crédito recolhido indevidamente, por que crédito tributário é aquele que emana da obrigação legal, ou seja, por imposição da Lei. Diferente do que ocorre no ramo civil, no direito tributário a decadência EXTINGUE o crédito, ou seja, faz morrer a obrigação, de maneira que pagar ao Fisco crédito decaído é o mesmo que voluntariamente doar capital ao Fisco. Veja o que diz o artigo 156, V do Código Tributário Nacional:
Modalidades de Extinção
Extinguem o crédito tributário:
I – o pagamento;
II – a compensação;
III – a transação;
IV – remissão;
V – a prescrição e a decadência;
Na hipótese ventilada, o contribuinte poderia compensar administrativamente ou ajuizar ação de repetição de indébito, para recuperar o capital indevidamente disponibilizado.
RECOMENDAÇÕES
A exposição acima tem o objetivo de advertir o contribuinte empresário e empregador, acerca do possível recolhimento indevido de contribuição previdenciária e a possibilidade de recuperar o que disponibilizou indevidamente ao Fisco. Serve, portanto, para ratificar a viabilidade do direito em questão.
A compensação administrativa é meio eficaz e rápido para perceber o ressarcimento ora sugerido, outra maneira de reaver o capital é ajuizar ação declaratória cumulada com repetitória, para além de obter o reconhecimento judicial, a ordem de compensar ou repetir o legítimo indébito.
Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2017.
EDUARDO MAURO PRATES