Para evitar que a família padeça do desamparo, o legislador estabeleceu a proteção da unidade familiar nos artigos 5º, incisos XI e XXVI, 6º e 226 da CRFB. E avançou ao instituir o bem de família previsto na Lei nº 8.009 de 1990 e no Código Civil, nos artigos 1.711 até 1.722.
O bem de família pode ser voluntário ou legal. O voluntário ocorre pela vontade da família ou do instituidor estranho ao núcleo familiar. Nesta modalidade é possível a reserva de valores mobiliários em favor dos beneficiários, além do bem imóvel.
A instituição do bem de família voluntário prevista no Código Civil não ocasiona a transmissão de patrimônio em benefício do favorecido, mas, a afetação de parte do patrimônio a fim de garantir o sustento mínimo familiar. Segundo o artigo 1.711, o limite destinado para o bem de família é de 1/3 do patrimônio líquido familiar no momento da sua instituição.
Para ser voluntário, o instituidor deve manifestar sua vontade por escritura pública ou testamento, que deverá constar no Registro Geral de Imóveis no caso de bens imóveis e, na hipótese de valores mobiliários, no respectivo livro de registros.
O patrimônio afetado não poderá ser alienado sem o consentimento dos interessados ou seus representantes legais. A morte dos cônjuges e a maioridade dos filhos são causas de extinção da afetação do patrimônio. Por sua vez, a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.
Já o bem de família legal emana da própria Lei nº 8.090/90, que garante principalmente a impenhorabilidade do único bem imóvel em que reside a família, além dos adornos que o compõem.
Neste contexto, o conceito de família compreende desde a pessoa que vive sozinha até o casal ou pais e filhos. Tal entendimento está disposto na súmula 364 do STJ. É ver:
“O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o
imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”
Quanto aos bens impenhoráveis, incluem-se as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza, imóveis em construção com finalidade residencial e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional. Se o imóvel for alugado, todos os bens que adornam a residência, desde que quitados, são igualmente impenhoráveis. Não são bem de família os terrenos não edificados a terra nua e o estacionamento.
Já em relação ao imóvel rural, é considerado como bem de família apenas a residência nele contida e os respectivos bem móveis que o compõe.
Se o indivíduo é possuidor de vários imóveis, considerar-se-á bem de família o imóvel de menor valor. Exceto no caso do bem de família voluntário.
A impenhorabilidade não engloba os veículos, as obras de artes e os adornos suntuosos do bem imóvel, além de não afastar o crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, a pensão alimentícia, os impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel, o bem adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens e as obrigações decorrentes de fiança concedida em contrato de locação são razões que afastam a impenhorabilidade.
O imóvel que é destinado como residência e possui parte dele utilizado para o exercício de alguma atividade econômica continua protegido com a impenhorabilidade. Porém, se a separação da residência e do comércio for possível, a área não residencial pode ser penhorada. A execução só ocorrerá se houver a possibilidade de satisfação do credor sem prejuízo da parte reservada para residência da família, ou seja, a separação deve ser evidente e possível.
Valores mobiliários
Como dito acima, os valores mobiliários também podem ser incluídos como bem de família, desde que a renda seja aplicada na conservação do imóvel e sustento da família.
A Lei nº 6.385 de 1976 estabeleceu no artigo 2º o conceito de valores mobiliários, veja:
Art. 2º. São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
I – as ações, debêntures e bônus de subscrição;
II – os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;
III – os certificados de depósito de valores mobiliários;
IV – as cédulas de debêntures;
V – as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;
VI – as notas comerciais;
VII – os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;
VIII – outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e
IX – quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
Maria Helena Diniz conceitua valores mobiliários do seguinte modo:
“valores mobiliários são os créditos por dinheiro, bens móveis, ações de empresas, veículos automotores, debêntures, obrigações, títulos negociáveis que representam direitos de sócios ou de mútuo ou empréstimos a longo prazo; títulos de bolsa, títulos emitidos pela sociedade anônima a critério do CMN etc.[1]”
O limite de reserva de valores mobiliários como bem de família é de um sexto do patrimônio líquido do instituidor no momento da afetação do patrimônio. A sua instituição ocorrerá mediante escritura pública ou testamento que o individualizará. A extinção ocorrerá também pela morte dos cônjuges e maioridade dos filhos.
Portanto, o bem de família é a garantia da dignidade do núcleo familiar, para que o mínimo existencial esteja presente. Logo, no cotejo entre os direitos ao crédito e a moradia (sustento), prevalecem os últimos.
Rio de Janeiro, 25 de julho de 2018.
Eduardo Mauro Prates e Nathalia Fontes.
[1] Código Civil anotado. São Paulo, Saraiva, 2008. Maria Helena Diniz.