- Os suicidas românticos para vingarem-se dos objetos de
seu afeto doentio, ao cometerem suicídio “acreditam” que
vão produzir nesses objetos sentimento de culpa.
- Na suposição ou eperança de que poderá trazer o objeto
do afeto de volta a si.
- Isso. A morte própria nunca é pensada como morte real e
sim como modo de barganha.
- Daí a razão da existência de uma carta da Senhora
Mônica.
- Já está pensando dialeticamente.
- E o elo essencial será um livro onde os românticos
escondem as coisas destinadas a serem descobertas.
- Exatamente.
- E a inter-relação dessa conjectura com o “perfume de
rosa”...
- O livro “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco.
- E lá estava a carta da Senhora Mônica ao marido, na
biblioteca da casa!
- Sim, no livro de Umberto Eco.
- Os suicidas românticos são bem engenhosos.
- Porque são instintivos e não racionais. E como instintivos
aprendem que os únicos segredos em segurança são os não
escritos; pois quando escritos são para serem descobertos.
- As coisas nunca são assustadoras quanto parecem se
vistas por dentro.
- Outra deixa minha.
- Desculpe. Prossigamos.
- Levar adiante o quê?
- A feitura de sua fé-de-ofício.
- Meu prontuário?
- Sim, seu prontuário; mas não no sentido que a polícia dá a
esse documento.
- Aqui na casa do senhor deus também tem polícia?
- Se o ponto fraco dos humanos fosse somente a besteira,
ninguém seria condenado às penas do Inferno!
- Isso é do “Auto da Compadecida”, do Ariano Suassuna.
Uma fala do João Grilo.
- Sei que é. Mas estes seus “delírios” estão prenhes de
frases tiradas de livros!
- Mas eu avisei no começo: Relembranças dos muitos livros
que li.
- Quer dizer, plágios.
- Plágio só se efetiva quanto o trecho é ipsis litteris.
Aproveitar-se das ideias é tudo que os escritores desejam.
Sinal de que foram lidos e apreciados. E nesse caso não
acontece o sofisma da “intenção presumível”...
- Li alhures que sem plateia, a entrada é apenas uma
chegada; vimos isso no julgamento do “mensalão”.
- E eu li em Mary Westmacott que “um cachorro possui
extraordinária capacidade de levantar o ego” dos homens.
- ?
- Porque “para o cachorro o dono é um deus idolatrado”!
- ??
- E que “... o problema do segundo filho é que é sempre o
anticlímax”!
- ???
- Que em geral o leitor olha o começo do livro, percebe do
que se trata, salta para o fim para conhecer o desfecho e
volta para o meio para saber por quê.
- Noto que o Senhor está sempre a fazer da vida pilhéria.
- A vida é que não me leva a sério.
- E observo também que o Senhor é simpatizante do partido
dos trabalhadores...
- De jeito nem maneira! Errou! O partido dos trabalhadores
é o asilo dos espiroquetas salvados do derrotado partido
comunista.
- Do nosso Santo GPS recebi informações de que o Senhor
escreveu um livro sobre sua experiência como militante
comunista.
- Escrevi mas nunca publiquei.
- Por que?
- Não sei. O livro até que foi elogiado pelos que tiveram
oportunidade de lê-lo.
- Pela veracidade do relato?
- Pela necessidade de se criticar o comunismo, a grande
frustração de toda uma geração. Servi ao partido durante
mais de quinze anos. Por todo esse longo tempo nunca me
deram oportunidade para analisar e criticar.
- Mas o partido dizia lutar contra a ditadura e pela democra-
cia.
- A fotografia da chamada “vanguarda brasileira”, o
escritor Osvaldo Peralva a divulgou no livro “O Retrato”.
- Temo-lo na Santa Biblioteca da Guardamoria do Paraíso
Santificador.
- Peralva, e outros tantos ingênuos, éramos apenas
auxiliares do comitê central.
- Que era quem mandava...
- Éramos paus-mandados, tínhamos que cumprir sem
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